
DuáBussē Hunikiē é um pajé da etnia Hunikiē que veio para uma visita de três dias à Aldeia Sagrada. Como ele é profundo conhecedor das plantas da Floresta, o cacique Nixiwaka pediu para o pajé ficar um pouco mais e, assim, já se passaram quatro anos…
Bussē (lê-se “Bussan”) mandou buscar as três filhas, o genro, netos e a família da sogra da filha, que estavam então na vizinha Nova Esperança, e todos acabaram se instalando no local. Ele diz que um dia voltará para sua comunidade Hunikiē, na divisa do Acre com o Peru, mas não sabe quando. Bussē se tornou o homem das plantas dos Yawanawa e hoje cuida dos canteiros que, junto com as ervas extraídas da floresta, reúnem mais de duas mil espécies de plantas medicinais.

Em ocasiões de dieta para limpeza e purificação, os Yawanawa incluem o veneno do sapo Kapu. DuáBussē conta que alguns povos de muitos, muitos anos atrás capturavam cascavéis e jiboias também para as dietas especiais de suas comunidades, extraíam delas o veneno e as devolviam para a Floresta. Mas ele mesmo nunca fez e nunca viu alguém fazer isso. “O veneno da sucuri provoca sonhos que transmitem saberes e conhecimentos”, explica o pajé, e o da jiboia atrai espíritos que aprimoram a sabedoria dos líderes, além de ser poderoso para dietas que demandam redução de peso.
A verdade é que, sim, essas e outras cobras aparecem em sonhos e em mirações nas cerimônias do Uni – é quando entra na força da miração que o pajé (no caso das cerimônias na Aldeia Sagrada, o pajé Saku) inicia o primeiro canto da noite, de uma série de Mekãs (cantos solos).
Roupas com estampas de cobras e outras alusões aparecem fortemente nas vestimentas dos indígenas nas cerimônias e fora delas, e os visitantes seguem a tradição, chegando à Aldeia no mesmo estilo. Contei para DuáBussē que vimos uma cobra txua (não venenosa) e outra surucucu (peçonhenta) no caminho para o refeitório e ele calmamente disse: “é só vocês fecharem bem as portas dos quartos que elas não entram”. Então tá. Quando eu vi, dias depois, uma outra cobra preta e branca que ninguém soube identificar e perguntei a ele se isso tinha algum significado especial, Bussē respondeu: “tem sim, significa que você está na floresta e que precisa prestar atenção onde pisa”.

Tudo isso para dizer que o procurei porque minha insônia havia voltado e eu estava muito triste, angustiada e em depressão por vários motivos. Bussē então marcou uma sessão de cura para mim e seguiu todos os “protocolos” que tanto os Yawanawa quanto os Hunikiē seguem: fez um rezo com as mãos na minha cabeça; entoou cânticos na língua nativa; evocou o Criador, Sheni, o Deus da Floresta, Ninauá, Pai da Mata, e os Ancestrais; “aspirou” meu corpo com as mãos em concha para, na sequência, soprar entoando o Osh Osh, mandando os espíritos malignos para bem longe; esfregou no meu peito um macerado com ervas, me deu o que sobrou e mandou que eu passasse no meu corpo todos os dias antes de dormir. Prometeu que me daria um fardo dessas ervas para eu levar para casa. E deu.

No início do mundo, os Yawanawa peregrinavam atrás de uma terra boa, com rios e florestas para poder se estabelecer. Todas as vezes que a encontravam, tentavam se instalar, mas vinha uma ventania muito forte que os arrastava para trás. Um dia, todos juntos começaram a soprar a ventania para longe e, assim, eles fundaram sua aldeia. Essa lenda, contada pelo cacique Nixiwaka, explica o fato de os pajés do Vale do Juruá sempre “aspirarem”, sem encostar muito no corpo da pessoa, e soprar, Osh Osh, tirando e jogando para longe alguma doença e todo o mal. O sopro deles, assim como a voz, são muito potentes, ficamos realmente espantados. Para a voz e também para o surgimento das plantas do Ayahuasca, tudo tem uma explicação.

Os primeiros indígenas não sabiam o que era a morte. Admiravam muito seu líder, faziam tudo o que ele pedia. Quando o líder morreu, sem saber do que se tratava, sentaram-se ao redor dele e aguardaram alguma orientação. Com o passar dos dias sem resposta, resolveram enterrá-lo. Continuaram por perto aguardando algum sinal e, então, viram que nasceram três plantas: o cipó Mariri (ou Caapi), a Chacrona e a Pimenta Vermelha. Esses indígenas passaram a consumir as novas plantas acreditando que, com isso, iriam encontrar seu líder. Mas o efeito foi totalmente contrário.

Com a pimenta, a voz torna-se mais potente. Desse modo, acreditavam que seriam ouvidos, se tornariam bons comunicadores e, ainda, excelentes cantores. São comuns, entre os Yawanawa, dietas em que pimentas vermelhas são bastante consumidas no aprimoramento da voz para os cantos das cerimônias. E é perceptível nessas ocasiões como eles têm, realmente, uma voz muito potente.
O Mariri e a Chacrona provocavam sonhos e visões, principalmente com a jiboia, que ficava com a cabeça “em pé” e os “empurrava” para a frente, fazendo eles retomarem suas vidas e buscarem sempre o que era melhor para eles. Essas plantas são fortemente consideradas no preparo espiritual dos povos da Floresta, e as etnias que as utilizam são bastante atuantes em questões como a demarcação das terras indígenas e a luta contra o marco temporal.
