Séculos de luta pela vida e pela terra


Artistas-artesãs Yawanawa

Quarenta e três comunidades indígenas ocupavam as margens do rio Juruá onde, atualmente, está localizada Cruzeiro do Sul, uma cidade de 90 mil habitantes, distante 600 km de Rio Branco, capital do Acre.

Em 1857, chegaram as primeiras expedições de seringueiros e igrejas (protestante, católica, evangélica), e as tribos foram aos poucos dizimadas ou drasticamente reduzidas. Algumas se deslocaram para o vizinho Peru, outras se reagruparam séculos depois em torno de uma fração mínima do que antes eram as suas terras, como os Yawanawa.

Os nativos que sobreviveram à aniquilação hoje geram renda para Cruzeiro do Sul e localidades vizinhas, atraindo milhares de visitantes que nelas pernoitam, vão às compras, gastam em restaurantes etc. O maior orgulho dos habitantes da cidade é a farinha de mandioca, declarada patrimônio cultural do Estado do Acre.

Cruzeiro do Sul é o epicentro turístico e financeiro do vale do Juruá, situado entre os vales do Javari e do Xapuri, este último famoso pela militância política dos seringueiros, área onde foram assassinados o líder Chico Mendes e a irmã Dorothy, uma gente aguerrida que luta por sua cultura, pela sobrevivência digna dos nativos e de seu habitat.

“Floresta produtiva é floresta em pé” é também lema dos aguerridos Yawanawa, um dos primeiros povos a conseguir que suas terras, onde estão hoje a Aldeia Sagrada e a vizinha Nova Esperança, fossem demarcadas oficialmente.

No rio gregório, erosão e rastro de mata derrubada

Barco encalhado no rio Gregório

Deixamos o hotel em Cruzeiro do Sul às 5h. Quatro horas depois, lotamos seis barcos com cinco pessoas cada e aqui estamos nós, descendo os 300 km do rio Gregório até a Aldeia Sagrada.

Trinta minutos bastam para você fixar em sua mente as imagens de matas, rios, bancos de areia, crianças acenando em frente às casas de palafita e mulheres lavando roupas nas margens do rio. Primeira pergunta que vem à mente: por que demorei tanto para fazer isso? Me sinto salva do mundo nesse barco. Passaria o dia inteiro subindo e descendo o Gregório.

Erosão e desmatamento despejam galhos e troncos no rio Gregório

Ao longo do percurso fazemos paradas para o xixi no mato e dar um mergulho no rio. Volta e meia o motor de algum dos barcos dá uma “rateada”, o que obriga todos os outros a parar e aguardar até que o problema se resolva. Para meu deleite, percebo que essa viagem vai durar mais de oito horas.

Perto de 100 km adiante, a navegação fica bem precária. O avanço do desmatamento e a consequente erosão deixam o rio repleto de troncos, galhos e mato. As hélices e os lemes dos barcos se soltam e, a toda hora, os barqueiros precisam parar para buscá-las embaixo d’água.

pinturas CORPORAIS e a primeira cerimônia

Foi uma noite bem dormida, depois de uma chegada à Aldeia Sagrada tumultuada e cansativa, mas lúdica e emocionante. O barco encostou e, lá de baixo, avistamos todos acima, na varanda do deck, esperando por nós com suas roupas e pinturas típicas.

Chegada à Aldeia Sagrada, os Yawanawa nos esperam na varanda

O cacique Nixiwaka Biraci Brasil é a simpatia em pessoa. Justo agora está com uma equipe do fotógrafo Sebastião Salgado dando entrevista para um documentário sobre lideranças indígenas, capitaneado pelo jornalista Leão Serva e Rogério Assis, ambos meus contemporâneos na Folha de S.Paulo. Reencontrei os dois aqui, que coisa boa, quantos abraços, updates de nossas vidas, fotinhos e por aí vai.

Hoje é um dia muito importante. Das 20hs até as 6hs da manhã, teremos a cerimônia do Uni, ou Ayahuasca, a primeira de um total de três em oito dias – a última coincidirá com o aniversário de 60 anos do cacique Nixiwaka.

Pinturas corporais feitas com tintas de jenipapo e urucum

“Muito obrigado por trazer na bagagem de vocês a esperança de um novo tempo. Nós somos os povos que falam a língua dos pássaros, das árvores, da Lua, do Sol. Eles são a nossa família, sinto a respiração de cada um deles. E em família não se pode tocar. Esse é o sentimento que nós, povos indígenas, temos com a natureza. Moro nas margens do rio onde meus ancestrais tomaram banho e agora meus filhos e netos tomam.”

O dia começou com a sessão de pinturas sagradas, feitas com jenipapo e urucum. Enquanto nossos rostos e braços eram pintados por homens e mulheres indígenas, o cacique Nixiwaka, guardião espiritual da medicina dos povos originários, iniciou sua fala.

Jovens Yawanawa tocam tambores na Floresta

O cacique situou em sua fala as enchentes terríveis do rio Gregório, que devastaram várias aldeias da região. Emocionado, contou que sua mulher, Putany, “pessoa pela qual continuo cada vez mais apaixonado devido a sua coragem”, estava em um local afastado, em dieta especial, prática comum entre os líderes Yawanawa, acompanhada dos dois filhos menores do casal. O dia teve ainda exposição dos artesãos da Aldeia, devidamente paramentados com pinturas corporais e adornos, e pudemos vivenciar a experiência da cerimônia do Uni ou Ayahuasca.

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luisa mafei
luisa mafei
1 ano atrás

Que post lindo, mãe! Que privilégio poder entrar em contato com a sabedoria e a história dos Yawanawás através do seu olhar!